segunda-feira, 28 de março de 2011

A Insustentável Leveza do Eco-Oportunismo e da Solidariedade Demagógica

Artigo de Daniel Gandra
Maloca Sustentável

A partir do ano 2000, um novo pensamento começou oficialmente a ser desenvolvido pela ciência da comunicação e incorporado às diretrizes estratégicas das empresas. Nascia o Marketing 3.0, focado nos valores mais humanos do universo mercadológico. Um conceito surgido da óbvia compreensão de que todo mercado, embora impulsionado por números, existe e se desenvolve por causa das pessoas que atuam nas suas mais diferentes esferas.


Sob essa ótica, o consumidor deixou de ser apenas o público-alvo da propaganda e das ações promocionais para ser reconhecido como o ser complexo que é, com alma e coração, que sonha e sofre, opina e influencia no consumo e na construção global das marcas. E diversas técnicas foram desenvolvidas para mostrar às pessoas que as empresas por trás dos anúncios percebem e se importam com isso, a ponto de moldarem suas missões, valores, objetivos, produtos e serviços com base nessa visão mais holística do indivíduo e da sociedade.

Para criar uma cultura corporativa sólida e relações estáveis com seus clientes e consumidores, hoje as empresas precisam mostrar aos seus públicos internos e externos que a relação deles não é meramente comercial. Que além dos lucros, pensam nas pessoas. Que se preocupam com as desigualdades sociais e procuram fazer sua parte para minimizá-las. E é claro: que respeitam e preservam o meio ambiente, investindo em tecnologias que diminuem o impacto ecológico de sua atuação. Isso representa o início de uma nova era de consciência e solidariedade no universo corporativo? Infelizmente, não.



Hoje, muitas das tradicionais práticas exploratórias dos insumos naturais necessários ao nosso desenvolvimento realmente são desenvolvidas de modo mais controlado, mas devido a pressão da sociedade, através de seus representantes públicos, da mídia e das entidades ambientais. A relação custo-benefício inerente às mais diversas atividades econômicas foi “forçada a evoluir” junto o nível de conscientização do consumidor. Surgiu um novo tipo de cliente, que exige contrapartidas ecológicas e sociais para fazer negócio e força o mercado a atender essa demanda, demonstrando nítida preferência pelas opções que se adequam aos seus ideais.

O Poder Público também fez a sua parte. Afinal, da mesma forma que o consumidor preocupado com o aumento da pobreza e com o desmatamento da Amazônia começou a exigir um posicionamento diferente das empresas, o eleitor também passou a “cobrar” essa conscientização em troca de seu valioso voto. É lógico que muitas pessoas claramente bem-intencionadas integram este movimento, trabalhando cada qual em sua esfera de atuação pelo bem comum e induzindo, através de seus exemplos, a mesma atitude. Mas o que realmente “engrenou” uma mudança perceptível foi a criação de Leis de Incentivo. Assim como na área da Cultura, da Música e das Artes, foram criadas formas legais de compensar atitudes como a coleta seletiva de lixo em condomínios, o apadrinhamento de praças e outros espaços públicos, o apoio a entidades sociais e a filantropia em geral.



A análise aprofundada destes fatos leva a uma bizarra conclusão: longe de representar uma tomada geral de consciência, a maior parte das atitudes “comprometidas com a preservação do meio ambiente e a diminuição das desigualdades sociais” que nós, consumidores, eleitores e cidadãos podemos comprovar no dia-a-dia trata-se de uma grande conveniência legal e empresarial. E não é isso que vai salvar o planeta. Não é isso que vai transformar a humanidade.



Quando algo que deveria ser orquestrado pelo coração nasce na mente, tudo muda. É como o “amor racional”. Um conjunto de conveniências, de fatores que possibilitam uma adequação aos padrões, de vantagens analisadas e atitudes burocráticas. Muitos casais vivem assim, para ostentar uma fachada que de modo algum corresponde àquilo que eles são entre quatro paredes. Fingem que se amam. Fingem que são felizes. O amor ao próximo e pela natureza funciona da mesma forma: ele precisa ser incondicional, sem pedir nada em troca. Só assim pode ser percebido e retribuído com a intensidade necessária para transformar uma realidade.

Como resultado dessa visão mercantilista das pessoas e de nossos recursos naturais, surgiu um grande e lucrativo filão de mercado, cuja contribuição “para o bem” está longe de se comparar ao lucro obtido. A grande massa de consumidores cegamente confiantes em certificações verdes e sociais estimula uma variedade de produtos e serviços “supervalorizados”, mais caros do que aqueles que não possuem o mesmo status. E quem os utiliza têm duas irresistíveis motivações subliminares para isso: a sensação de engajamento e a certeza de estar ajudando na construção de um futuro melhor.


A ideia aqui não é taxar Governos e empresas em geral de espertalhões ou afirmar que tudo aquilo que consumimos acreditando ser o melhor para a sociedade e o meio ambiente faça parte de uma nociva estratégia global de marketing. O objetivo é fazer você entender que isso existe e que é preciso manter os olhos abertos, para perceber a diferença entre quem está representando um papel e quem vem trabalhando, de verdade, para minimizar as agressões contra a natureza e acolher parcelas de públicos economicamente carentes ou com deficiências.

A melhor informação é justamente aquela que está por trás dos sites e anúncios oficiais. Ações eco-sociais funcionam apenas com a continuidade e como parte integrante de uma filosofia de vida, ou missão empresarial muito forte. Os empreendedores deixam em suas trajetórias um rastro de fatos e eventos que revelam quem eles realmente são. Além disso, ONGs e outras instituições também divulgam informações preciosas, que não estão nos jornais nem nas TVs. Através delas, você pode descobrir que ao comer o chocolate “X”, está estimulando a exploração de crianças catadoras de cacau do outro lado do mundo. Que o consumo de determinados produtos causa mais desequilíbrio ambiental do que outros. Que o que lhe é vendido como saudável pode vir impregnado de veneno, com carimbo de inspeção, selo de qualidade e tudo mais. Estas sim são informações que devemos considerar ao definirmos nossos hábitos de consumo. Muito mais que o modismo e o prazer inconsequente. Aquilo que faz mal a um povo e exaure nossos recursos naturais não pode, individualmente, simplesmente converter-se numa escolha saudável. Tudo faz parte do Todo e está sujeito às Leis da relação entre causa e efeito.


Você também não precisa ser mais uma cabeça do “gado” tão facilmente tangido por cientistas a serviço de interesses comerciais e profissionais especialistas em vender ilusões. Na escola, somos ensinados a engolir sem questionar o conteúdo transmitido e isso nos influencia por toda a vida. É preciso romper com a forma robotizada de pensar e deixar de aceitar como verdade única e absoluta tudo aquilo que nos é posto com um rótulo de autoridade e credibilidade, pois nem sempre as coisas são o que parecem. Se desde criança houvessem lhe ensinado que a Terra é o centro do Universo, você cresceria acreditando nisso. E por mais frustrante que possa parecer ir contra o que lhe disseram com tanta convicção seus livros, pais, professores e doutores, ao finalmente descobrir que somos apenas um microscópico grão de poeira cósmica entre milhões de outros universos, galáxias, planetas e estrelas, toda a sua percepção do mundo seria alterada, numa reação em cadeia. Este exemplo pode ser facilmente aplicado em todas as áreas da nossa vida e serve para ilustrar os perigos da visão condicionada.

Independente de você acreditar em tudo isso ou não, de estar com a disposição necessária para operar profundas mudanças em suas certezas ou não, pelo menos é algo a se considerar. Afinal, antes de salvarmos a humanidade, antes de salvarmos o Planeta, precisamos salvar a nós mesmos.



Um comentário:

  1. Dan,
    como é bom compartilhar das suas idéias revolucionárias meu amigo!
    Sim, o amor à natureza deve ser incondicional.
    Diante de tanto racionalismo materialista acabamos esquecendo do que somos e aquilo de que somos feitos... a matéria que forma nossos corpos vem da natureza e é para ela que voltaremos inevitavelmente.
    Somos natureza!
    Amor ao que somos!
    Drica

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