Matéria publicada no Jornal cearense Diário do Nordeste, no dia 03 de abril de 2011
O que restou de vegetação nativa sofre com podas muitas vezes desnecessárias e falta de plano de arborização
Segundo o Inventário Ambiental de Fortaleza nos anos 1968 e 2003, a cidade perdeu cerca de 90% de sua cobertura natural. Isso coloca o fortalezense em contexto de baixa qualidade de vida, pois existe menos de 4 m2 de área verde por habitante na cidade. Em 1968 a cidade tinha 66% de áreas verdes. Em 2003, o Município contava apenas com 7% de vegetação, representando uma perda de quase 90%.
Quem mora em Fortaleza sente na pele o que é viver numa cidade cheia de problemas ambientais. As agressões tanto à natureza quanto aos moradores da cidade parecem não ter fim - e nem alternativas. Na verdade, as soluções existem, apontam especialistas. E todas começam no mesmo lugar: numa mudança na forma de encarar os problemas por parte do Poder Público. Fato que está longe de acontecer. Promessas existem, mas ficam no vazio do plano das ideias, nada mais.
Sem um plano de arborização, aponta a arquiteta Mariana Reynaldo, a cidade tem perdido gradativamente os espaços verdes. As vias estão cada dia mais desnudas devido o corte de árvores de forma indiscriminada ou a queda de algumas espécies. "Isso sem falar de verdadeiros absurdos contra o meio ambiente como a destruição das raízes para a construção de canteiros ou a passagem de tubulação", aponta ela.
O fato denunciado pela arquiteta foi constatado pela reportagem do Diário do Nordeste. Em plena Avenida Jovita Feitosa, numa obra do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor), operários cortaram as raízes de árvores para fazer o canteiro central. A direção do Programa não se pronunciou até o fechamento dessa edição.
A questão, aponta o engenheiro agrônomo Pedro Henrique Albuquerque, é que Fortaleza se transformou numa cidade de concreto. Na média, o município possui menos de quatro metros quadrados de área verde por habitante, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) define um mínimo de 12 m²/hab para uma boa qualidade de vida. A cidade de Maringá (Paraná), considerada referência nacional em meio ambiente sustentável, possui 13,6 m2 de área verde por habitante.
Plano
A Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano (Semam) promete implantar um Plano de Arborização para "logo". Promessa contestada pela bióloga Joana Marinho. "Faz tempo que ouço falar sobre isso e entra ano e sai ano e fica por aí mesmo".
Para moradores do entorno de avenidas como a Carapinima, como a estudante Érica Araújo, não dá mais para esperar tanto tempo. "Aqui é um verdadeiro deserto do Saara sem um pé de árvore". Pelo visto, a situação tende a perdurar. A Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb) já avisou que ali, devido ao Metrô de Fortaleza, tudo ficará como está: só asfalto.
Informação essa que não surpreende especialistas como o engenheiro agrônomo Antonio Tavares, professor da Universidade Federal de Parnaíba. De acordo com ele, "parece que estamos andando na contramão da história". Como a cidade não foi planejada levando em conta a arborização urbana, aponta, existem poucos espaços disponíveis para receber árvores.
Além disso, a vegetação urbana de Fortaleza é tão irrisória que pouco pode contribuir para a melhoria do ambiente térmico da cidade. Para o professor Tavares, em seu blog "Árvores do Tavares", o problema ambiental mais grave de Fortaleza consiste tanto na falta de vegetação, quanto no manejo inadequado das poucas árvores que restam, que consiste em podas abusivas. Os canteiros criaram um problema adicional. Eles são excessivamente estreitos e impermeabilizados. As raízes precisam de oxigênio e água para se desenvolverem. O aumento da impermeabilização aumenta também os riscos de enchentes.
O vereador João Alfredo, calcula que o nosso déficit seja de três mil hectares de área verde. "Além de não termos uma política de preservação nem de arborização, muitas vezes, se autoriza, como no caso do bosque da Aldeota, a supressão de todas as árvores do terreno para empreendimentos imobiliários", aponta o parlamentar.
Nos últimos seis anos, apenas duas unidades de conservação foram criadas em Fortaleza: uma pela Prefeitura, na Sabiaguaba, outra pela Câmara, nas Dunas do Cocó, por autoria nossa. "Em suma, falta à cidade uma política pública ambiental". Segundo ele, a tendência mundial consiste em adotar modelos de planejamento e gestão urbana que seguem premissas ecológicas. "A cidade não é mais considerada como uma antítese da natureza e sim parte dela", assevera.
Sensação térmica tem razão de ser
A ocupação desordenada do solo, a ausência de arborização, a retirada da cobertura vegetal de maneira extensiva têm reflexos no clima e consequências diretas na qualidade de vida. O alerta da engenheira agrônoma, Célia Regina do Amaral, é compartilhada pelo meteorologista José Maria Brabo, da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
Segundo Brabo, a amplitude térmica da cidade - a diferença entre as temperaturas máximas e mínimas - vem diminuindo gradativamente. Atualmente na quadra chuvosa, explica ele, a temperatura de Fortaleza fica entre 27º a 28º. A partir de julho, já em tempo seco, o termômetro mede entre 29º e 30º.
Segundo ele, as variáveis que atuam para a sensação térmica mais quente ou fria são a umidade relativa do ar e os ventos. Quanto maior a umidade, maior o calor. Os ventos são responsáveis por atenuar esse quentura toda e eles estão sendo "barrados" tanto pela verticalização quanto pela impermeabilização do solo.
Onde existe muito asfalto e pouca arborização o desconforto térmico piora. Isso procede cientificamente, explica Brabo. É exatamente em decorrência da diminuição dos ventos e sua velocidade. Ele lembra que há uns sete anos a brisa vinha do oceano a uma velocidade média de 12 km por hora. Hoje, devido aos prédios, asfalto e falta de árvores, consegue chegar a 10km por hora. Indignada com a situação, a engenheira agrônoma Célia Regina aponta que os gestores de Fortaleza parecem ignorar que toda tomada de decisão urbana resulta em impactos ambientais para a cidade, e uma delas é o aumento sensação térmica.
Emlurb
O responsável pela poda das árvores da Empresa de Limpeza de Limpeza e Urbanização (Emlurb), Franzé Sidrão, reconhece que é preciso fazer mais do para salvar as áreas verdes. Por mês, a empresa corta, em média, 80 árvores em risco e promove a poda de 1.500.
A poda também é alvo de questionamentos. Sidrião rebate a crítica afirmando que todo o corte é realizado depois que um laudo é feito por técnicos do Distrito Ambiental de cada Regional. E diz que para cada árvore cortada, duas devem ser plantadas na cidade.
ENTREVISTA
*Fernanda Rocha
Fortaleza se expande conservando situações incompatíveis. Como a Srª avalia a falta de arborização em Fortaleza?
Trata-se de uma questão cultural: a cidade cresceu ignorando seu sitio original, negando as potencialidades existentes, pautando-se em padrões e modelos exógenos, que priorizavam aspectos à época inovadores (automóvel, indústria, etc). Além disto, vem solenemente desprezando diretrizes previstas em seus instrumentos legais. Desta forma a cidade se expande conservando situações incompatíveis com novas realidades.
Quais as espécies mais adequadas para serem plantadas em canteiros centrais e calçadas ?
Nos canteiros centrais, pode-se pensar em árvores de maior porte e até frutíferas. Já em calçadas, deve-se adequar o porte da espécie ao espaço disponível de modo a não reduzir a mobilidade.
Existe incompatibilidade entre iluminação pública e arborização em Fortaleza?
Na maioria das vezes, quando do plantio, as árvores ainda são jovens e se adaptam às condições existentes, mas com o passar do tempo, passam a necessitar de podas radicais, podendo até mesmo ter reduzido seu tempo de vida.
*Arquiteta e Urbanista e professora da Unifor - viva.arte@uol.com.br
O que restou de vegetação nativa sofre com podas muitas vezes desnecessárias e falta de plano de arborização
Segundo o Inventário Ambiental de Fortaleza nos anos 1968 e 2003, a cidade perdeu cerca de 90% de sua cobertura natural. Isso coloca o fortalezense em contexto de baixa qualidade de vida, pois existe menos de 4 m2 de área verde por habitante na cidade. Em 1968 a cidade tinha 66% de áreas verdes. Em 2003, o Município contava apenas com 7% de vegetação, representando uma perda de quase 90%.
Quem mora em Fortaleza sente na pele o que é viver numa cidade cheia de problemas ambientais. As agressões tanto à natureza quanto aos moradores da cidade parecem não ter fim - e nem alternativas. Na verdade, as soluções existem, apontam especialistas. E todas começam no mesmo lugar: numa mudança na forma de encarar os problemas por parte do Poder Público. Fato que está longe de acontecer. Promessas existem, mas ficam no vazio do plano das ideias, nada mais.
Sem um plano de arborização, aponta a arquiteta Mariana Reynaldo, a cidade tem perdido gradativamente os espaços verdes. As vias estão cada dia mais desnudas devido o corte de árvores de forma indiscriminada ou a queda de algumas espécies. "Isso sem falar de verdadeiros absurdos contra o meio ambiente como a destruição das raízes para a construção de canteiros ou a passagem de tubulação", aponta ela.
O fato denunciado pela arquiteta foi constatado pela reportagem do Diário do Nordeste. Em plena Avenida Jovita Feitosa, numa obra do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor), operários cortaram as raízes de árvores para fazer o canteiro central. A direção do Programa não se pronunciou até o fechamento dessa edição.
A questão, aponta o engenheiro agrônomo Pedro Henrique Albuquerque, é que Fortaleza se transformou numa cidade de concreto. Na média, o município possui menos de quatro metros quadrados de área verde por habitante, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) define um mínimo de 12 m²/hab para uma boa qualidade de vida. A cidade de Maringá (Paraná), considerada referência nacional em meio ambiente sustentável, possui 13,6 m2 de área verde por habitante.
Plano
A Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano (Semam) promete implantar um Plano de Arborização para "logo". Promessa contestada pela bióloga Joana Marinho. "Faz tempo que ouço falar sobre isso e entra ano e sai ano e fica por aí mesmo".
Para moradores do entorno de avenidas como a Carapinima, como a estudante Érica Araújo, não dá mais para esperar tanto tempo. "Aqui é um verdadeiro deserto do Saara sem um pé de árvore". Pelo visto, a situação tende a perdurar. A Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb) já avisou que ali, devido ao Metrô de Fortaleza, tudo ficará como está: só asfalto.
Informação essa que não surpreende especialistas como o engenheiro agrônomo Antonio Tavares, professor da Universidade Federal de Parnaíba. De acordo com ele, "parece que estamos andando na contramão da história". Como a cidade não foi planejada levando em conta a arborização urbana, aponta, existem poucos espaços disponíveis para receber árvores.
Além disso, a vegetação urbana de Fortaleza é tão irrisória que pouco pode contribuir para a melhoria do ambiente térmico da cidade. Para o professor Tavares, em seu blog "Árvores do Tavares", o problema ambiental mais grave de Fortaleza consiste tanto na falta de vegetação, quanto no manejo inadequado das poucas árvores que restam, que consiste em podas abusivas. Os canteiros criaram um problema adicional. Eles são excessivamente estreitos e impermeabilizados. As raízes precisam de oxigênio e água para se desenvolverem. O aumento da impermeabilização aumenta também os riscos de enchentes.
O vereador João Alfredo, calcula que o nosso déficit seja de três mil hectares de área verde. "Além de não termos uma política de preservação nem de arborização, muitas vezes, se autoriza, como no caso do bosque da Aldeota, a supressão de todas as árvores do terreno para empreendimentos imobiliários", aponta o parlamentar.
Nos últimos seis anos, apenas duas unidades de conservação foram criadas em Fortaleza: uma pela Prefeitura, na Sabiaguaba, outra pela Câmara, nas Dunas do Cocó, por autoria nossa. "Em suma, falta à cidade uma política pública ambiental". Segundo ele, a tendência mundial consiste em adotar modelos de planejamento e gestão urbana que seguem premissas ecológicas. "A cidade não é mais considerada como uma antítese da natureza e sim parte dela", assevera.
Sensação térmica tem razão de ser
A ocupação desordenada do solo, a ausência de arborização, a retirada da cobertura vegetal de maneira extensiva têm reflexos no clima e consequências diretas na qualidade de vida. O alerta da engenheira agrônoma, Célia Regina do Amaral, é compartilhada pelo meteorologista José Maria Brabo, da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
Segundo Brabo, a amplitude térmica da cidade - a diferença entre as temperaturas máximas e mínimas - vem diminuindo gradativamente. Atualmente na quadra chuvosa, explica ele, a temperatura de Fortaleza fica entre 27º a 28º. A partir de julho, já em tempo seco, o termômetro mede entre 29º e 30º.
Segundo ele, as variáveis que atuam para a sensação térmica mais quente ou fria são a umidade relativa do ar e os ventos. Quanto maior a umidade, maior o calor. Os ventos são responsáveis por atenuar esse quentura toda e eles estão sendo "barrados" tanto pela verticalização quanto pela impermeabilização do solo.
Onde existe muito asfalto e pouca arborização o desconforto térmico piora. Isso procede cientificamente, explica Brabo. É exatamente em decorrência da diminuição dos ventos e sua velocidade. Ele lembra que há uns sete anos a brisa vinha do oceano a uma velocidade média de 12 km por hora. Hoje, devido aos prédios, asfalto e falta de árvores, consegue chegar a 10km por hora. Indignada com a situação, a engenheira agrônoma Célia Regina aponta que os gestores de Fortaleza parecem ignorar que toda tomada de decisão urbana resulta em impactos ambientais para a cidade, e uma delas é o aumento sensação térmica.
Corte de várias árvores em terreno imobiliário na
Av. Senador Virgilio Távora esquina com Av. Santos Dumont
Av. Senador Virgilio Távora esquina com Av. Santos Dumont
Emlurb
O responsável pela poda das árvores da Empresa de Limpeza de Limpeza e Urbanização (Emlurb), Franzé Sidrão, reconhece que é preciso fazer mais do para salvar as áreas verdes. Por mês, a empresa corta, em média, 80 árvores em risco e promove a poda de 1.500.
A poda também é alvo de questionamentos. Sidrião rebate a crítica afirmando que todo o corte é realizado depois que um laudo é feito por técnicos do Distrito Ambiental de cada Regional. E diz que para cada árvore cortada, duas devem ser plantadas na cidade.
ENTREVISTA
*Fernanda Rocha
Fortaleza se expande conservando situações incompatíveis. Como a Srª avalia a falta de arborização em Fortaleza?
Trata-se de uma questão cultural: a cidade cresceu ignorando seu sitio original, negando as potencialidades existentes, pautando-se em padrões e modelos exógenos, que priorizavam aspectos à época inovadores (automóvel, indústria, etc). Além disto, vem solenemente desprezando diretrizes previstas em seus instrumentos legais. Desta forma a cidade se expande conservando situações incompatíveis com novas realidades.
Quais as espécies mais adequadas para serem plantadas em canteiros centrais e calçadas ?
Nos canteiros centrais, pode-se pensar em árvores de maior porte e até frutíferas. Já em calçadas, deve-se adequar o porte da espécie ao espaço disponível de modo a não reduzir a mobilidade.
Existe incompatibilidade entre iluminação pública e arborização em Fortaleza?
Na maioria das vezes, quando do plantio, as árvores ainda são jovens e se adaptam às condições existentes, mas com o passar do tempo, passam a necessitar de podas radicais, podendo até mesmo ter reduzido seu tempo de vida.
*Arquiteta e Urbanista e professora da Unifor - viva.arte@uol.com.br
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